Atualmente ocupando o cargo de diretor da Faculdade de Direito da Universidade Federal de Minas Gerais (FDUFMG), o Presidente do Instituto de Ciências Penais (gestão 2002/2004), advogado criminalista e doutor em direito penal pela UFMG, Hermes Vilchez Guerreiro publica carta aberta aos alunos sobre o atual momento enfrentado pelos alunos daquela instituição. A mensagem vale para todos nós, confiram:
Belo Horizonte, 24 de abril de 2020
Estimados alunas e alunos dos cursos de Direito e de Ciências do Estado,
Estes tempos de isolamento nos têm privado do saudável convívio dos amigos, familiares, colegas e, especialmente, de frequentar nossa Vetusta e, consequentemente, nossas aulas.
Estou na Faculdade, seja como aluno ou professor, há quarenta anos. Portanto, passei a maior parte de minha vida no nosso prédio. Embora vá à Faculdade ocasionalmente, quando necessário, sinto muita falta da liberdade de estar lá apenas pelo prazer de querer compartilhar esse que é o espaço que mais frequentei.
Em razão de haver feito estágio em penitenciárias e de minha atividade de advogado criminal, sei o que significa não poder andar por aí sem restrições. Tenho certeza de que poucos transitam pelas ruas com o mesmo prazer que eu.
Esta não é minha primeira “quarentena”. Já passei por outras. Elas ocorreram quando tive que estudar tudo o que não havia estudado para passar no vestibular, quando fiquei trancado por um mês para fazer as provas do mestrado e do doutorado e especialmente para conseguir redigir as respectivas teses. A última vez que fiquei “trancado” foi quando estudei para o concurso de professor.
Em todas essas ocasiões, tinha o mesmo pensamento: quando isto acabar vou sair andando sem rumo apenas pelo prazer decaminhar pelas ruas da minha amorável Belo Horizonte. Foi o que fiz. O andarilho das ruas da cidade que está em mim caminha com a mesma alegria e disponibilidade dos tempos de estudante em que tudo se abria para o conhecimento.
Agora, no outono de minha vida, estou novamente privado de andar pelas ruas, de frequentar a Faculdade, justamente quando sou seu diretor, impedido de fazer tantas coisas simples que me dão satisfação.
Nas experiências anteriores, como nesta, há algo em comum: sabia que o recolhimento era necessário porque havia um objetivo maior, havia algo a alcançar. Era isso que me ajudava a ficar “trancado”. Agora não é diferente. A imposição de que nos recolhamos não é para buscar a aprovação num concurso, não é para acabar um trabalho acadêmico. É para um objetivo maior: é pela preservação da Vida e da Saúde. Porque sem elas não haverá as outras possibilidades. É nisto que precisamos pensar.
Não desconheço as dificuldades que estão enfrentando, a frustração de não poder continuar com a rotina do dia a dia. Talvez neste semestre não sejam os artigos dos códigos que tenham que aprender. Talvez não seja a doutrina dos grandes juristas que devam ter como prioritário. Talvez não sejam as teorias sobre a atuação do Estado. Talvez não sejam os modelos de definição de políticas públicas e sua crítica.
Acho que a vida está nos dando a oportunidade de aprender muitas outras coisas. E cada um vai aprender de um modo.
Uns a cozinhar. Outros a arrumar casa. Outros vão se deixar levar pelo tempo da observação. Mas acho que vocês podem aprender algo que só muitos anos de vida ensinam: a ter PACIÊNCIA. Sei como é difícil pedir isso principalmente aos jovens. Mas é um saber substancial que esses dias de recolhimento podem inocular como uma razão maior de ser: preservar a vida e a saúde, não por acaso os dois Bens Jurídicos mais importantes previstos no Código Penal.
Belo Horizonte e nossa Faculdade já passaram por isso antes, cito apenas como exemplo, a gripe espanhola de 1918 e a Revolução de 1930.
Aproveitem para ler livros que não sejam acadêmicos, para ouvir música, ver filmes e usar sadiamente as redes sociais.
Logo estaremos de volta às filas do elevador, ao suco enigmático do bandejão, às aulas, ao convívio de nossos colegas, às ruas de Belo Horizonte e à construção de um mundo melhor.
Tenham paciência, cuidem-se e preparem-se para o retorno.
Recebam meu abraço virtual, mas, muito afetuoso.
Professor Hermes Vilchez Guerrero. Diretor