20/03/2019

Possibilidade de imposição de regime mais gravoso e motivação idônea

                                                                                                                                                Marcela Bessa

O artigo 59 do Código Penal trouxe, em seu inciso III, a determinação de que o regime inicial de cumprimentro da pena privativa de liberdade seja definido pelo juiz de acordo com as circunstâncias do crime e com a personalidade de seu autor.

Ademais, o artigo 33 do supracitado documento legal preceitua as regras temporais a serem observadas para fixação do regime inicial do cumprimento de pena. Nesse sentido, prescreve o regime fechado ao condenado à pena superior a oito anos; o regime semi-aberto ao não reincidente condenado à pena superior a quatro e inferior a oito anos; e o regime aberto ao não reincidente condenado à pena inferior a quatro anos.

Entretanto, o próprio Código Penal possibilita que o magistrado deixe de observar o parâmetro temporal fixado, determinando regime inicial mais gravoso ou mais benéfico, desde que em observância com as circunstâncias judiciais.

Dispondo ainda acerca do tema, em 13/10/2003, o Supremo Tribunal Federal editou a Súmula n.º 719, a qual dispõe que “A imposição de regime de cumprimento mais severo do que a pena aplicada permitir exige motivação idônea.”.

Assim, conforme entendimento do mencionado Tribunal, para que o magistrado determine regime mais gravoso, este deve, na sentença, expor as razões de seu convencimento[1], elencando as circunstâncias fáticas que motivaram tal decisão.

Nos anos em que se seguiram à edição da aludida Súmula, foram julgados os Habeas Corpus n.ºs 94.468 e 83.605, em cujas decisões o Tribunal determinou que a fundamentação do magistrado não se confundisse com a mera alusão à gravidade do delito, com a comoção social ou com a opinião do julgador acerca do crime.[2] 

No julgamento do Habeas Corpus 138.334, de relatoria do Min. Ricardo Lewandowski, o Supremo Tribunal entendeu que elementos do delito não são passíveis de embasar a opção por um regime mais gravoso. No mesmo sentido, no julgamento do HC 132.331, o relator afirmou que a gravidade em abstrato do crime, igualmente, não justifica a escolha por regime mais gravoso. [3]

Desta forma, diante do previsto na legislação e do entendimento jurisprudencial, tem-se que as circunstâncias judiciais relativas ao autor devem fundamentar a opção do magistrado, não sendo elementos hábeis a tanto a gravidade do delito e seus elementos. Assim, o embasamento deve se apoiar em circunstâncias como antecedentes judiciais, conduta social e personalidade do agente.

Como consequência, observa-se que o autor do delito pode ter seu regime inicial agravado em razão de circunstâncias ou características a ele ligadas, assim como seu histórico social.

O que se verifica na realidade é que os sujeitos marginalizados pela sociedade são, nesse momento, punidos duplamente pelo ordenamento jurídico, tal qual preceituam Zaffaroni e Pierangeli:

“Um direito que reconheça, mas que também respeite a autonomia moral da pessoa, jamais pode penalizar o ser de uma pessoa, mas somente o seu agir, já que o próprio direito é uma ordem reguladora de conduta humana. Não se pode penalizar um homem por ser como escolheu ser, sem que isso violente a sua esfera de autodeterminação."[4]

Analisando o efeito do entendimento jurisprudencial acerca do tema, tem-se que, mais uma vez, o ordenamento jurídico legitima o aumento da segregação dos indivíduos tidos como “não sociáveis”. Desta vez, com a possibilidade de imposição de um regime de cumprimento de pena mais gravoso a eles, o Estado, que deveria pretender o alcance da Justiça por meio do Direito, se utiliza deste para acentuar as mazelas sociais.

 

 

 

 

[1] RHC 128.827, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 21-2-2017, DJE 47 de 13-3-2017.

[2] HC 94.468, rel. min. Ayres Britto, 1ª T, j. 3-6-2008, DJE 64 de 3-4-2009.

 HC 83.605, rel. min. Ellen Gracie, 2ª T , j. 3-2-2004, DJ de 23-4-2004.

[3] HC 138.334, rel. min. Ricardo Lewandowski, 2ª T, j. 6-6-2017, DJE 139 de 26-6-2017.

[4] ZAFFARONI, Eugenio Raúl; PIERANGELI, José Enrique. Manual de direito penal brasileiro: parte geral. São Paulo: RT, 1997. p. 119-120

Marcela Vignoli Cordeiro Bessa:  Bacharel em Direito com formação complementar em Ciências do Estado pela Universidade Federal de Minas Gerais.Advogada Inscrita na OAB/MG. Pós-Graduanda em Direito Público. 

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