Renato Dilly Campos
Foi muito divulgada a assinatura de Decreto, pelo Presidente da República, Jair Bolsonaro, que expandiu as hipóteses para a obtenção da posse de arma de fogo no Brasil.
A principal mudança trazida pelo Ato Normativo se deu pela inclusão de critério objetivo de determinação do requisito da efetiva necessidade da posse de arma de fogo.
Dentre as hipóteses abrangidas, estão presentes os residentes em área rural, os residentes em áreas urbanas com elevados índices de violência (Estados com taxa de homicídio superior à 10 homicídios por 100.000 habitantes, segundo o atlas da violência 2018) e os titulares ou responsáveis legais de estabelecimentos comerciais ou industriais.
Conforme Atlas da Violência, publicado em 2018, todos os Estados Brasileiros possuem indicies de homicídio maiores do 10 por 100 mil habitantes (o menor é São Paulo – 10,9 – e o maior é o Sergipe – 64,7).
Deve-se ressaltar que, dentre outras hipóteses, não será autorizada a posse de arma de fogo para aqueles que não tiverem bons antecedentes, ou estiverem respondendo a inquérito ou processo criminal, ou figurarem comprovadamente vinculados com grupos criminosos.
Em resumo, houve considerável expansão daqueles que se encontram autorizados a possuir arma de fogo no país.
Mas, o que esta nova permissão muda para aqueles que respondem por crime de posse ilegal de arma de fogo?
Este delito, previsto no art. 12 da Lei n° 10.826/03, prevê que é crime possuir ou manter sob guarda arma de fogo e acessórios de uso permitido “em desacordo com determinação legal ou regulamentar”.
Como vimos, a nova regra regulamentar expandiu muito a permissão para posse de arma de fogo de uso permitido. Sendo assim, é possível vislumbrar situações em que o processado ou apenado por crime de posse ilegal de arma de fogo agora preencha os requisitos para a obtenção do registro.
Neste caso, seria possível prover a absolvição ou abolitio criminis da conduta praticada?
Em regra, entendo que não seria possível esta interpretação. Isto porque a posse de arma de fogo no Brasil prescinde do registro do portador e da arma de fogo de uso permitido no SINARM. São diversos requisitos tanto para o proprietário como para a arma de fogo, nos termos do art. 15 do Decreto n° 5.123/04.
Deste modo, ainda que com o novo Decreto o agente possua os requisitos para a obtenção do registro, mesmo assim ele não teria finalizado o registro da posse, o que o manteria em situação de irregularidade. Neste caso, permaneceria formalmente típica a sua conduta.
Não devemos esquecer: existem também hipóteses de atipicidade material e de insignificância da conduta praticada, em razão da nova abrangência da posse de arma de fogo.
Em alguns casos seria possível interpretar a formalidade do registro como insignificante, se o agente possuir absolutamente todos os requisitos aptos à obtenção.
Também é possível abordar a questão sob a ótica do bem jurídico (e qual o atual valor social protegido pela “proibição” da posse de arma de fogo de uso permitido). Certo é que existirão situações de atipicidade material, em razão da expansão prevista no novo Decreto.
Todas estas questões são, obviamente, analisadas casuisticamente e não há maneira de determinar uma resposta única à indagação (cada caso é um caso).
Em resumo, o novo Decreto editado pela presidência tem cunho naturalmente administrativo, mas infere na seara penal, tanto do ponto de vista criminológico, como do ponto de vista dogmático. Aguarda-se um assentamento jurisprudencial (ainda sequer provocado) para que se tenha segurança jurídica acerca das consequências jurídicas da medida presidencial.
Renato Dilly Campos: Advogado; Foi Membro da Comissão de Direito Penal Econômico da OAB-MG; Mestre em Direito pela Faculdade Milton Campos; Professor, convidado, da Pós Graduação em Direito Penal Econômico da FADIVALE (Governador Valadares – MG); Professor, convidado, da Pós Graduação em Direito Penal Econômico da Faculdade Arnaldo; Professor, convidado, do Curso de Extensão em Prática Tributária da Faculdade Arnaldo; Professor de Direito Penal I, do curso de graduação da Faculdade FACISA-MG; Membro do Instituto de Ciências Penais (ICP); Foi Presidente do Instituto de Ciências Penais Jovem; Foi membro do Grupo de estudos sobre Direito Penal Econômico da Faculdade de Direito Milton Campos; Autor de capítulos de livros e artigos técnicos em publicações especializadas. (Demais informações constam do currículo lattes do advogado, no site www.cnpq.br)