17/10/2025

Do Populismo Penal Midiático-legislativo e suas implicações no Estado Democrático de Direito

O direito penal deve constituir-se como instrumento de ultima ratio, pautado pela racionalidade, proporcionalidade e respeito às garantias fundamentais. No entanto, a realidade contemporânea revela uma tendência crescente de expansão punitiva movida por motivações políticas e midiáticas, elementos que contrariam a própria natureza do direito penal contemporâneo.

Nessa esteira, o Populismo Penal Midiático-legislativo se apresenta como um fenômeno político e social caracterizado pela utilização do direito penal como instrumento de resposta simbólica à insegurança pública, buscando atender à opinião pública ou a demandas midiaticamente construídas. Nas palavras de Luiz Flávio Gomes:

"No plano político o populismo se caracteriza pela manobra da vontade da massa, do povo, guiada por um líder carismático, que procura atender suas demandas e promover (tendencialmente) o exercício tirânico do poder [...] No campo penal a expressão “populismo” vem sendo utilizada para designar uma específica forma de exercício (e de expansão) do poder punitivo, caracterizada pela instrumentalização ou exploração do senso comum, da vulgaridade e da vontade popular. Populismo penal, portanto, não pode se equiparar ao punitivismo, sim, é sinônimo de hiperpunitivismo, de uma economia penal excessiva ou grotesca (GOMES, 2013, p. 29)."

Nessa situação, a mídia de cunho sensacionalista, também conhecida como mídia marrom, e o legislador se articulam em torno da exploração do medo social, convertendo o direito penal em um instrumento simbólico de resposta imediata à opinião pública. Dessa maneira, o endurecimento das penas e a criação de novos tipos penais tornam-se mecanismos de legitimação dessa política, ainda que destituídos de, na maioria dos casos, eficácia real na redução da criminalidade ou na prevenção de crimes.

A influência dos meios de comunicação é elemento central na formação do Populismo Penal Midiático-legislativo, sobretudo das redes sociais. A mídia, ao explorar casos criminais de grande repercussão, constrói narrativas emocionais e polarizadas, fomentando o clamor por respostas penais imediatas.

Como resultado, o Poder Legislativo, sensível às demandas da opinião pública, a qual é influenciada pela mídia, e interessado em capital político, apressa a aprovação de leis, muita das vezes inconstitucionais, frequentemente desprovidas de respaldo empírico ou técnico-científico. Com a aprovação dessas leis, há uma série de implicações ao aparato jurídico criminal, dentre elas:

a) Violação das garantias e dos direitos fundamentais, como a presunção de inocência e o devido processo legal;


b) Insegurança jurídica decorrente da criação de novos tipos penais sem base empírica e possivelmente contraditórios entre si e entre o ordenamento jurídico como um todo;


c) Agravamento da seletividade penal, isso porque o aparato de justiça por meio dessas leis serve como instrumento de perseguição e criminalização de setores marginalizados da sociedade, como forma de qualifica-los como inimigos públicos preferenciais.

Na esteira desse conceito, há no Brasil uma série de leis e de projetos de leis as quais podem exemplificar o que vem a ser o Populismo Penal Midiático-legislativo:

a) Lei Henry Borel - Lei nº 14.344/2022: Prevê medidas protetivas específicas para crianças e adolescentes vítimas de violência doméstica e familiar; torna hediondo o homicídio contra menores de 14 anos; veda aplicação dos juizados especiais para casos praticados contra crianças e adolescentes, independentemente da pena. Proposta em razão do assassinato do garoto Henry Borel, vítima de maus tratos por seus pais no Rio de Janeiro.


b) Projeto de Lei 714/2023 - Prisão Preventiva automática para crimes hediondos: Proposta que pretende tornar obrigatória a prisão preventiva em certos casos (crime hediondo, associação criminosa qualificada, reincidência) durante a audiência de custódia, e ampliar prazo da audiência.


c) Lei Sargento PM Dias - Lei 14.843/2024: Endurece requisitos para progressão de regime; reintroduz exames criminológicos e etc. Foi proposta após o assassinato do Policial Militar Roger Dias da Cunha, que leva o nome da lei, por um beneficiário da saída temporária. Foi criticada por prejudicar o sistema da ressocialização.


d) Projeto de Lei 4.835/2025 - Prevê aumento de pena para aqueles que adulterarem bebidas alcoólicas: A proposta determina pena de reclusão de 8 a 12 anos, além de multa, quando a ingestão de substâncias tóxicas resultar em incapacidade prolongada, perigo de vida ou debilidade permanente. O referido projeto surge em resposta aos casos de intoxicação por metanol em bebidas alcoólicas espalhadas pelo Brasil, em especial, aos casos ocorridos recentemente no estado São Paulo.

Dessa maneira, a conjugação entre a espetacularização da violência pela mídia e a atuação legislativa orientada por interesses eleitorais gera uma política penal irracional, emocional e autoritária. Em vez de promover segurança, o Populismo Penal alimenta o ciclo de punitivismo e exclusão, reforçando a seletividade do sistema e desviando a atenção das causas reais da criminalidade.

Assim, mais do que uma disfunção conjuntural, o Populismo Penal Midiático-legislativo representa uma ameaça estrutural ao Estado Democrático de Direito, ao submeter o direito penal à lógica do espetáculo e à conveniência política, em detrimento da razão, da ciência e da Constituição.

REFERÊNCIAS:

DEL2848compilado. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2025.

 

L14344. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2025.

 

L14843. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2025.

 

Portal da Câmara dos Deputados. Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2025.

 

Disponível em: . Acesso em: 14 out. 2025.

 

GOMES, Luiz Flávio.  Populismo penal midiático: caso mensalão, mídia disruptiva e direito penal crítico. São Paulo: Saraiva, 2013.

 

VIDAL, Mariana Azevedo Couto. Populismo penal legislativo no Brasil diante dos fundamentos da intervenção mínima e do garantismo. Orientador: Prof. Dr. Henrique Viana Pereira. 2023. Dissertação (Mestrado) - Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Programa de Pós-Graduação em Direito, Belo Horizonte. 2023. Disponível em: https://research.ebsco.com/c/6hyen5/search/details/saedc42ssvlimiters=FT%3AN%2CRV%3AN%2CFC%3AN&q=Mariana%20Azevedo%20Couto%20Vidal. Acesso em 13 out. 2025.

Thiago Gonçalves de Oliveira é Bacharel em direito pela PUC Minas; Especialista em Direito Processual Civil pela PUC Minas; Membro do grupo de pesquisa Nea-Prop - Núcleo de Estudos Avançados em Direito Processual Penal da PUC-Minas; Advogado aprovado no 37º Exame da OAB; Assistente de Apoio no Gabinete de Desembargador no Tribunal de Justiça de Minas Gerais

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