21/09/2021

A aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial

Ana Luiza Silva Santiago

  Ao analisar o princípio da insignificância, sob o enfoque da teoria tripartite do conceito analítico de crime, verifica-se que a sua incidência atinge o elemento tipicidade, sendo, então, forma de exclusão da tipicidade material da conduta[1]. Isso significa dizer que, embora a conduta perpetrada pelo agente possua perfeita subsunção à norma penal em abstrato, ela gera danos de pequena monta ao bem jurídico[2], o que não justifica a atuação do jus puniendi.

  Apesar da inexistência de previsão legal expressa, o mencionado princípio é aceito pela jurisprudência[3] e pela doutrina. Entretanto, a celeuma reside na (im)possibilidade da aplicação do princípio da insignificância pela autoridade policial, diante do dever de condução do inquérito policial e dos limites de seu crivo analítico.

  Dentre os posicionamentos, destaca-se o adotado pelo STJ, no informativo nº 441 de 2010. A decisão em questão assevera que a aplicação do princípio da insignificância só poderia ser realizada pelo Poder Judiciário[4], posteriormente à fase pré-processual. Entretanto, tal conclusão é questionável e vem sendo mitigada.

  O advento da Lei nº 12.830/2013, a qual normatiza a investigação criminal conduzida pelo delegado de polícia, convida a repensar sobre o papel da autoridade policial. Ela expressamente prevê que as funções exercidas pelo delegado são de natureza jurídica[5]. Logo, não poderia tal autoridade, diante de flagrante situação insignificante, ficar restrita ao papel de mero subsunçor do fato à norma, afinal, conforme já elucidado pelo STF “o Delegado de Polícia é o primeiro garantido da legalidade e da justiça”.[6]

  Ainda, extrai-se, das lições de Nucci, que a autoridade policial deve atuar diante de latente atipicidade material da conduta, afinal, o delegado, como bacharel em Direito e concursado para o cargo, seria o primeiro juiz do fato típico, o que lhe garantiria perfeita autonomia para fazer tal valoração.[7]

  Por fim, ressalta-se que a alternativa apresentada não isenta o delegado de registrar, fundamentadamente, os motivos que o levaram a aplicação do princípio, para que, caso necessário, o Ministério Público possa revisar e dar prosseguimento a persecução penal, já que é o titular da ação penal.

 

[1] SILVA, Ivan Luiz da. Princípio da insignificância no direito penal. Curitiba: Juruá, 2011. p. 164-165.

[2] VICO MAÑAS, Carlos. O princípio da insignificância como excludente da tipicidade no direito penal. São Paulo: Saraiva, 1994. p. 80.

[3] O próprio STF criou critérios balizadores para a aplicação do princípio da insignificância nos casos concretos. Vide BRASIL. Supremo Tribunal Federal. 2. Turma. Habeas Corpus nº 84412. Relator: Min. Celso de Mello, julgado em 19 out. 2004, DJ 19-11-2004.

[4] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus nº. 154.949 de Minas Gerais. Relator: Ministro Felix Fischer, julgado em 03 ago. 2010. [Decisão encartada no Informativo nº. 441 do Superior Tribunal de Justiça].

[5] Art. 2º da Lei 12.830: As funções de polícia judiciária e a apuração de infrações penais exercidas pelo delegado de polícia são de natureza jurídica, essenciais e exclusivas de Estado.

[6]  Frase proferida no voto do Min. Celso de Mello no Habeas Corpus nº 84548/SP. Vide BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Tribunal Pleno. Habeas Corpus nº 84548. Relator: Min. Marco Aurélio, julgado em 04/03/2015. DJ 10-04-2015.

[7] NUCCI, Guilherme de Souza. Manual de Processo Penal e Execução Penal. 11 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 135).

 

Graduanda em Direito pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Estagiária no 7º Ofício do Núcleo Criminal da Procuradoria da República em Minas Gerais. Monitora de Direito Processual Penal I na UFMG em 2021, sob a orientação do Professor Sérgio Luiz Souza Araujo.

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