23/03/2021

As adições tecnológicas ao Processo Penal: policiamento preditivo

Brenda Sharon Rocha Reis

Os avanços tecnológicos têm permitido a criação de ferramentas para as mais diversas áreas do cotidiano e do conhecimento. A lei também pode se beneficiar (ou sofrer) com esses avanços. Em várias cidades ao redor do mundo, desde o início da década de 2010, sistemas de cruzamento de dados estão sendo criados para possibilitar a prática do policiamento preditivo.

Segundo Ferguson (2017), os primeiros experimentos com previsão no sistema de justiça criminal remontam à década de 1920 e tinham como objetivo prever a possibilidade de reincidência de criminosos condenados. Um dos primeiros a adotar foi Ernest Burgess, que, sistematizando riscos e aplicando fatores de risco aos indivíduos, criou a abordagem atuarial.

O policiamento preditivo consiste em um monitoramento intenso do que acontece nas ruas e nas redes sociais, a fim de identificar padrões de comportamento que indiquem a possível prática de crimes. A partir daí, a polícia monitora indivíduos sobre os quais paira a suspeita do cometimento de crimes.

Com a utilização destes sistemas, é criado o Estado vigilante, o que pode gerar intervenções discricionárias na privacidade e intimidade dos cidadãos. A lógica por trás dessa vigilância é: se o indivíduo está sendo vigiado a maior parte do tempo, é menos provável que cometa conduta desviante. No entanto, essa premissa ignora dois fatores principais a respeito das condutas criminosas: crimes cometidos na clandestinidade (violência doméstica, estupro etc.) e fatos que esse sistema de prevenção não pode evitar.

De acordo com Perry (2013), existem muitas evidências para apoiar o fato de que o crime é previsível, por exemplo, os criminosos tendem a continuar a cometer crimes que cometeram com sucesso no passado. Embora não seja uma verdade absoluta, ocorre com frequência suficiente para se tornar uma verdade estatisticamente relevante.

A razão teórica para a existência do policiamento preditivo é que muitos padrões relativos à zona de conforto do criminoso podem ser identificados e, a princípio, parecem justificar a intervenção policial.

A previsão de crimes envolve o estudo de dados sobre crimes e vítimas anteriores, usando uma variedade de métodos em busca de padrões, a depender do software utilizado. Um dos métodos mais utilizados é o perfil geográfico, que consiste em uma ferramenta analítica que determina a área mais provável para o crime ser cometido, com base em crimes anteriormente cometidos naquela área ou em determinado infrator que atua em determinada região (analisando antecedentes criminais e boletins de ocorrência).

No entanto, a reflexão que deve ser feita é: mesmo que o crime possa ser previsto com algum grau de assertividade, isso justifica uma intervenção policial? Vivemos em uma sociedade com sede de vingança quando se trata da punição de autores de crimes, no entanto, existem garantias constitucionais que devem ser respeitadas dentro de uma persecução penal a partir de sua origem mais embrionária: a incursão e investigação policial.

Interferências na intimidade e privacidade de pessoas em nome da persecução penal devem ser realizadas apenas como último recurso e devem seguir à risca regras estabelecidas em lei, sob pena de violações irreparáveis ao Estado Democrático de Direito e ao devido processo penal.

 

Referências Bibliográficas

FERGUSON, Andrew Guthrie. The Police Are Using Computer Algorithms to Tell If You’re a Threat. 2017. Disponível em: https://time.com/4966125/police-departments-algorithms-chicago/. Acesso em: fev., 2021.

PERRY, Walter L.. Predictive Policing: the role of crime forecasting in law enforcement operations. Washington: Rand Corporation, 2013.

Police Executive Research Forum. How Are Innovations in Technology Transforming Policing? Washington, D.C. Disponível em: //policeforum.org/library/critical-issues-in-policing-series/Technology_web2.pdf. Acesso em: fev., 2021.

MCEWEN, Thomas. Privacy in the Information Age: A Guide for Sharing Crime Maps and Spatial Data, Washington, D.C.: National Institute of Justice, 2001.

Brenda Sharon Rocha Reis: Advogada criminalista. Mestranda em Direito Penal pela UFMG. Bacharel em Direito pela UFMG. Membro da Diretoria de Pesquisa do ICP Jovem.

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