26/08/2019

Avante: soterremos a verdade!

Maria Jorge Sales-Pós

 Se no Direito Penal a maior mentira contada ao aluno é que a prisão tem o viés ressocializador e retributivo; no Processo Penal a maior mentira contada aos estudantes de Direito é relativa ao denominado princípio da verdade real, que seria o fim último do processo.

Lembro-me bem que o princípio da verdade real foi um dos primeiros conceitos ensinados pelo professor em Direito Processual Penal I. É inconteste que ele delineia os contornos do sistema processual que desejamos ter. Entretanto, é necessário indagar se há de fato uma verdade real a ser atingida e se é necessário e justo a sua perseguição, por via do processo penal.

De acordo com o  Aury Lopes Jr., tal princípio foi um artifício utilizado nos interstícios da inquisição para  a justificar  o substancialismo e o decisionismo processual (LOPES. 2006, p. 272), sendo esta estrutura a espinha dorsal do sistema inquisitório - que tanto cobiça desvelar uma verdade factual utópica. De tal feita que “a partir da referência estabelecida como objetivo processual passou-se a compreender que quaisquer meios de apuração serviriam como instrumento para revelar o oculto e contribuir para a descoberta do acontecido” (PINTO. 2012, p. 16-17).

Esta concepção de busca de uma verdade absoluta no processo, gera uma  visão de uma prestação jurisdicional idealizada, que é infalível e isenta de erros, consolidando uma ambição desenfreada - e tida como meta principal do processo penal – por uma verdade concreta e ilusória.

Ao se colocar um cordão umbilical entre o princípio da verdade real e o processo penal, corre-se o risco de abrir caminho para práticas inquisitoriais abusivas e autoritárias, desviando-se do preceitos constitucionais vigentes entre nós, e. g., os princípios do contraditório e da ampla defesa. Deve-se compreender que, na realidade, este cordão não existe e não deve existir, pois para que possamos construir um sistema processual atento aos princípios constitucionais, e inerentes à um modelo acusatório, a crença  de que o processo penal tem como objetivo maior desvendar a verdade real,  deve ser soterrada.

Muito atual e (sempre) pertinente é a obra de Calamandrei, “Eles, os Juízes, Vistos, por Nós, os Advogados”. O autor descreve uma cena em que dois pintores pintam a mesma paisagem, simultaneamente, e em idênticas condições. Porém as pinturas produzidas retratam paisagens diferentes.

 

Graduanda em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - Unidade Praça da Liberdade (PUC/MG)

Belo Horizonte | Minas Gerais

(31) 97174-1956

fale@icp.org.br