19/07/2019

O agente de segurança pública como única testemunha do crime de tráfico de drogas: da delimitação da conduta típica ao depoimento em juízo.

Marcelo Colen 

O crime de tráfico de drogas é responsável pelo encarceramento de mais de 150.000 pessoas no Brasil. Dados do INFOPEN indicam que 62% das mulheres e 26% dos homens encarcerados são acusados ou foram condenados pela prática do referido crime[1].

Um grande problema na aplicação da Lei 11.343/06 decorre da ausência de requisitos objetivos para diferenciar o porte de drogas para uso (art.28) e o tráfico de drogas (art.33). A lei descreve condutas próximas, com núcleos do tipo idênticos, diferenciando-as abstratamente pelo especial fim de agir “para consumo pessoal”, que será determinado a partir da natureza e quantidade da droga, local e condições da ação, circunstâncias sociais e pessoais, além da conduta e antecedentes do agente (art.28, §2º), não havendo critérios seguros, a priori, para diferenciação.

Destarte, a atribuição primária do tipo penal à conduta é feita de forma discricionária pelo agente de segurança, que atua de acordo com sua íntima convicção sobre os fatos presenciados, e, por ser decisão subjetiva, questiona-se sobre sua parcialidade, que implicaria no impedimento do agente como testemunha da ação penal.

Há muito a jurisprudência entende que a condição de agente de segurança, por si só, não implica em impedimento ou suspeição, servindo seu depoimento como prova idônea, desde que guarde coerência com o conjunto probatório[2].

A presunção de veracidade dos depoimentos atrelada à ausência de parâmetros precisos para distinção entre uso e tráfico tem estimulado um emprego indiscriminado da prova oral do agente de segurança nas ações penais de tráfico de drogas. São preocupantemente abundantes os casos em que tal prova testemunhal é a única produzida na fase judicial. Essa situação é severamente problemática, pois revela o predomínio de uma lógica que distorce a distribuição do ônus da prova no processo penal e transforma a instrução processual em mero ato de homologação dos elementos de informação colhidos no inquérito policial.

Tais distorções foram mapeadas em pesquisa realizada pela Defensoria Pública do Rio de Janeiro e pela Secretaria Nacional de Políticas sobre Drogas (Senad) do Ministério da Justiça, indicando que “em 62,33% dos casos o agente de segurança foi a única testemunha ouvida no processo e em 53,79% dos casos o depoimento do agente de segurança foi a principal prova valorada pelo juiz para alcançar sua conclusão”[3].

Diante de todo o exposto, se impõe a necessidade de enfatizar: apesar da prova testemunhal do agente de segurança ser admitida como válida, é imperioso que seja sempre analisada com cautela, em conjunto com outras provas, e sempre rechaçada se isolada, a fim de evitar o descrédito da fase judicial e impedir condenações pautadas somente pela simples confirmação de elementos inquisitoriais.

[1]http://depen.gov.br/DEPEN/noticias-1/noticias/infopen-levantamento-nacional-de-informacoes-penitenciarias-2016/relatorio_2016_22111.pdf. p.42-43.

[2] HC 76557, Relator(a):  Min. MARCO AURÉLIO, Relator(a) p/ Acórdão:  Min. CARLOS VELLOSO, Segunda Turma, julgado em 04/08/1998, DJ 02-02-2001.

[3] https://www.conjur.com.br/dl/palavra-policiais-foi-unica-prova-54.pdf. p. 77.

Advogado criminalista e sócio administrador no escritório Braga Colen Advogados Associados. Membro do Instituto de Ciências Penais Jovem. Graduado em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. Foi membro da Comissão Estadual da Verdade sobre a Escravidão Negra e de Combate ao Trabalho Escravo da Ordem dos Advogados do Brasil – Minas Gerais (2016-2018). Foi membro da Comissão de Assuntos Carcerários da Ordem dos Advogados do Brasil – Minas Gerais (2017- 2018).

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